Os acidentes envolvendo os caminhões basculantes – as famosas “caçambas” – se tornaram uma rotina no Brasil desde que os órgãos de trânsito deixaram de fiscalizar o cumprimento da Resolução 563, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). A medida exige a instalação de um dispositivo de segurança para evitar o acionamento da caçamba enquanto o veículo estiver em movimento. Sem esse recurso, a parte móvel do veículo pode levantar acidentalmente a qualquer momento. Segundo pesquisa da Federação Nacional da Inspeção Veicular (FENIVE) realizada em 2018, 58% dos caminhões basculantes em circulação no Brasil apresentam algum tipo de problema mecânico.
O caminhão basculante é um tipo específico de veículo equipado com uma caçamba articulada na parte traseira e destinado ao transporte de grandes quantidades de material. A Resolução 563 está em vigor, porém sem a devida fiscalização e preocupação dos órgãos de trânsitos.
Sem a devida fiscalização, notícias de caminhões basculantes que causaram estragos na rede elétrica, viadutos e outros equipamentos públicos são frequentes. Um dos casos recentes foi registrado na cidade de Quatro Pontes, no Oeste do Paraná, quando o veículo com a caçamba acionada arrancou os fios da rede elétrica em parte da cidade. Já em Vargeão, Santa Catarina, o caminhão basculante destruiu o pórtico de entrada da cidade, resultando num prejuízo de mais de R$ 100 mil à prefeitura local.
O diretor executivo da FENIVE, Daniel Bassoli, fala que casos como esses estão se tornando cada vez mais frequentes graças à impunidade e à falta de fiscalização dos órgãos de trânsito. “O Departamento Nacional de Trânsito está completamente indiferente à questão e aos riscos que isso representa. Infelizmente, o assunto só volta à pauta quando ocorre um acidente grave, com vítimas fatais”, critica.
Bassoli se refere a acidentes como o ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, em 2018, quando uma passarela localizada na Avenida Brasil – uma das principais vias de tráfego da capital carioca – desabou depois de ser atingida por um caminhão que estava com a caçamba. O motorista morreu e um pedestre que passava pelo local ficou ferido. “Aquele foi um episódio que chamou a atenção do país inteiro, porque é uma região de grande circulação de pessoas e o número de vítimas poderia ter sido muito maior. Mas esse tipo de acidente ocorre com muito mais frequência do que aquilo que poderia ser considerado normal ou uma fatalidade”, comenta o diretor, criticando ainda a subnotificação desse tipo de episódio. “Eles entram nas estatísticas como acidentes de trânsito, como outros quaisquer. Esse é um dos fatores que prejudicam a elaboração de políticas públicas efetivas para mudar esse cenário e obrigar os motoristas a instalar o dispositivo de segurança”, pontua.
Frota reprovada
Um levantamento realizado pela Fenive em 2018, com 3,4 mil caminhões basculantes, mostrou que 58% dos veículos apresentavam algum tipo de problema mecânico. Foram encontradas cerca de 9 mil “não conformidades”. Destas, 8% foram em decorrência de defeitos ou ausência no dispositivo de segurança. Também foram identificados problemas no sistema de freios, faróis, suspensão e outros itens que prejudicam a segurança veicular.
Dispositivo
É possível fazer a instalação do dispositivo nos caminhões basculantes – já considerando o valor do acessório e da mão-de-obra para instalação – a partir de R$ 500 por veículo. “Esses acidentes continuam acontecendo porque os donos dos caminhões se recusam a investir. Infelizmente, a segurança veicular não é uma preocupação do Sistema Nacional de Trânsito”, observa Bassoli.
Em 2018, a Resolução 563 chegou a ser suspensa temporariamente, após diversas intervenções políticas, sem nenhum estudo ou embasamento técnico. Bassoli critica o lobby exercido pelas transportadoras para postergar ou ainda derrubar a medida. “Todas as decisões do Denatran levaram em consideração somente as despesas das transportadoras ou de municípios que não têm a segurança viária como prioridade em seu planejamento urbano”, aponta.
Ilegalidade consentida
Publicada em 2015, a Resolução 563 nunca foi plenamente efetivada, mas já foi alvo de inúmeros debates no Congresso Nacional e no próprio Denatran. “Esse assunto vem se arrastando há muitos anos. Entra governo e sai governo e quem dá as regras é a iniciativa privada, que prefere continuar atuando da ilegalidade consentida pelas autoridades”, alfineta Bassoli.
Em 2020, o assunto entrou na pauta da Câmara Temática de Assuntos Veiculares e Ambientais (CTAV), do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). A nova versão está em consulta pública e, enquanto não há uma definição sobre possíveis mudanças, a atual redação da Resolução 563 permanece vigente e continua sendo ignorada tanto pelo Denatran, quanto pelos órgãos de trânsito estaduais. “A alegação do Denatran segue pelo caminho mais fácil, amparado na revisão da norma. No entanto, enquanto isso não sai, vale a redação antiga”, pontua o diretor executivo.