O Governo Federal anunciou que abrirá, ainda em outubro, consulta pública sobre a proposta de desburocratização da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para as categorias A e B. A medida, apoiada publicamente pelo presidente Lula, pretende eliminar a obrigatoriedade das autoescolas, mantendo as provas teórica e prática como exigências. A norma busca reduzir em até 80% o custo de acesso ao documento.
Atualmente, obter uma CNH no Brasil custa entre R$ 2 mil e R$ 5 mil, valor que supera a renda domiciliar per capita média e afasta milhões de trabalhadores da formalização. Segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (SENATRAN) , mais da metade dos motociclistas brasileiros (54%) circula sem habilitação válida. O governo reconhece que o processo brasileiro é um dos mais caros e burocráticos do mundo, enquanto países vizinhos da América do Sul e nações mais desenvolvidas já adotam modelos mais acessíveis.
A proposta em consulta não elimina os filtros de segurança. As provas teórica e prática seguirão obrigatórias, mas o caminho até elas será flexibilizado: o cidadão poderá contratar instrutores autônomos credenciados diretamente, sem passar obrigatoriamente pelas autoescolas. A mudança tem duplo efeito: reduz custos para os alunos e abre novas oportunidades de trabalho e renda para instrutores independentes.
Outro desafio é territorial. Muitas cidades brasileiras sequer contam com autoescolas, obrigando moradores a se deslocarem para municípios vizinhos — ou até a se mudarem temporariamente — apenas para cumprir a carga obrigatória de aulas. Além disso, a legislação faz uma série de exigências que cria barreiras de entrada, reduz a concorrência e favorece a concentração de mercado nas autoescolas.
O modelo atual também ignora a realidade tecnológica. Hoje, grande parte da frota de carros no Brasil é automática, mas a CNH ainda exige que a formação ocorra em veículos manuais. O carro automático é mais intuitivo e acessível, mas a burocracia brasileira encarece o processo e mantém o sistema engessado em torno de um modelo ultrapassado.
A expectativa é que a medida tenha impacto imediato na inclusão produtiva, sobretudo entre trabalhadores de aplicativo. Levantamento da GigU mostra que, em capitais como Belo Horizonte e Curitiba, a renda líquida mensal de motoristas ultrapassa R$ 3,4 mil, chegando a R$ 4,1 mil em São Paulo. Valores que representam não apenas o sustento de famílias inteiras, mas também a oportunidade de mobilidade social para trabalhadores das periferias urbanas.
Para Magno Karl, cientista político e diretor-executivo Livres, a consulta pública é um passo essencial para modernizar o sistema de trânsito e promover a inclusão. “Somos favoráveis a um modelo mais acessível e alinhado a práticas internacionais. Países do G20 já adotam formatos mais flexíveis, que mantêm a segurança mas reduzem a exclusão. O Brasil precisa caminhar nessa direção, retirando barreiras injustificadas que impedem milhões de cidadãos de se formalizarem”, avalia.
Na visão de Luiz Gustavo Neves, CEO da fintech social que reúne a maior comunidade de trabalhadores de aplicativo do Brasil, a medida fortalece quem já sustenta a economia digital e urbana. “Os motoristas de aplicativo demonstram todos os dias a força de um setor que movimenta bilhões. Ao baratear o acesso à CNH, o governo dá a chance de que mais trabalhadores ingressem de forma regularizada, ampliando a renda das famílias e garantindo mais segurança para todos”, afirma.
O Ministério dos Transportes conduzirá a consulta pública nas próximas semanas, ouvindo especialistas, associações e a sociedade civil. A expectativa é de que a proposta final seja encaminhada ao Congresso Nacional ainda este ano.