O trabalho remoto está perdendo espaço no Brasil. É o que mostram diferentes pesquisas de mercado. Segundo levantamento da Robert Half, 35% das empresas já exigem presença integral nos escritórios, 58% adotam o regime híbrido e apenas 7% permanecem totalmente em home office. O Relatório de Tendências de Gestão de Pessoas 2025, da Great People, mostra cenário semelhante: 51% das companhias operaram totalmente no presencial em 2024, contra 41% no híbrido e 9% no remoto. Entre as que alteraram a política, um quarto aumentou os dias de escritório e 21% migraram do remoto para o híbrido.
Nos programas de entrada no mercado, esse movimento também é evidente. Uma pesquisa de mercado realizada pela Cia de Talentos mostra que todas as vagas de estágio e trainee abertas em 2024 e 2025 foram presenciais ou híbridas, sem registro de oportunidades totalmente remotas. “O jovem que vivenciou experiências acadêmicas ou profissionais à distância durante a pandemia agora precisa lidar com a volta do deslocamento e da convivência diária nas empresas. Isso exige novas habilidades, como gestão de tempo, organização da rotina e capacidade de adaptação a ambientes presenciais”, afirma Danilca Galdini, sócia-diretora de Pessoas & Cultura, DE&I e Insights da Cia de Talentos.
O reflexo dessa retomada já é sentido nas grandes cidades. Em São Paulo, que concentra mais de 7,4 milhões de trabalhadores, a CET registrou no início de agosto o recorde de 1.335 km de congestionamento na volta para casa em um único dia. E os números seguem em uma crescente desde então. Entre janeiro e abril deste ano, houve alta de 8% na média diária de lentidão em relação a 2024, com as quintas-feiras concentrando os piores índices na ida e na volta. O tempo médio de deslocamento já ultrapassa 1h40 por trajeto, chegando a mais de três horas diárias para cruzar os extremos da cidade.
Esse impacto, no entanto, não é homogêneo, segundo Danilca. Para os mais jovens, o escritório representa oportunidade de networking e aprendizado com líderes, mas exige adaptação à rotina presencial. Já profissionais mais experientes, muitas vezes com responsabilidades familiares, sentem mais fortemente o peso do trânsito na decisão por novas oportunidades. “Esse contraste vem alterando o processo de recrutamento e seleção: pessoas candidatas de todas as idades têm avaliado mais o modelo de trabalho antes de aceitar uma vaga, o que obriga as empresas a explicitar com clareza suas políticas de presencialidade”, pontua ela.
Na prática, essa volta pressiona o mercado de trabalho ao reduzir o raio geográfico de candidatos dispostos a se deslocar diariamente, elevar a demanda por flexibilidade (dias híbridos, horários escalonados) e ampliar custos de atração e retenção (auxílios de mobilidade, reembolsos de deslocamento). Também alonga prazos de contratação e aumenta recusas em vagas com maior carga presencial, o que exige mais clareza sobre políticas de escritório já no anúncio e nas entrevistas. Segundo o relatório Talent Trends 2025, do PageGroup (Michael Page), no Brasil, 60% dos profissionais dizem que buscariam outro emprego se fossem obrigados a aumentar os dias no escritório.
Se, por um lado, a volta aos escritórios recoloca o deslocamento no centro da rotina, por outro, a predominância do presencial reforça a convivência como pilar da cultura e impõe soluções mais flexíveis. Realizada há mais de 20 anos pela Cia de Talentos, a edição de 2024 da Pesquisa Carreira dos Sonhos teve mais de 93 mil respondentes, mostrando que 71% dos profissionais já estão em regime presencial e que a qualidade de vida é vista como prioridade absoluta por todas as gerações – 38% dos jovens, 35% da média gestão e 34% da alta liderança. O mesmo estudo revela que, na escolha de uma vaga, 37% consideram o ambiente de trabalho mais decisivo que salário ou prestígio da marca empregadora.
“O futuro do trabalho passa pela presença, mas também pela flexibilidade. Por isso, as empresas precisam ouvir suas equipes e buscar modelos mais inteligentes, seja por meio de mais dias híbridos, horários flexíveis ou apoio à mobilidade. Não é coincidência que, segundo a nossa pesquisa, a qualidade de vida esteja como prioridade número um. Isso mostra que não se trata apenas de remuneração, mas de coerência entre discurso e prática, de cuidar da saúde mental (que hoje já é uma responsabilidade legal das empresas pela revisão da NR-1) e também oferecer condições para que as pessoas colaboradoras encontrem equilíbrio e propósito na jornada de suas carreiras”, conclui Galdini.