A 32ª edição do SIMEA – Simpósio Internacional de Engenharia Automotiva, promovido pela AEA – Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, reuniu no Novotel Center Norte, na cidade de São Paulo (SP), nos dias 13 e 14 de agosto, especialistas, executivos, engenheiros e representantes do poder público e da academia para discutir tecnologias e estratégias que vão moldar o futuro da mobilidade no Brasil. Ao longo de dois dias, o evento abordou desde políticas públicas para a descarbonização até soluções digitais, inteligência artificial e novos combustíveis, conectando diferentes elos da cadeia automotiva e energética.
A abertura contou com as falas de Marcus Vinicius Aguiar, presidente da AEA; Claudio Sahad, presidente do Sindipeças; Gilberto Martins, diretor de Assuntos Regulatórios da Anfavea; Marcelo Godoy, presidente da Abeifa; Luciana Giles, diretora de Comunicação da AEA e coordenadora do SIMEA 2025 e de Ricardo Gondo, Presidente de Honra do SIMEA 2025. As lideranças ressaltaram a pluralidade de rotas tecnológicas e a importância da engenharia brasileira para o cumprimento das metas de sustentabilidade, produtividade e inovação.
A primeira palestra do dia foi de Thaianne Resende, diretora de Qualidade Ambiental da Secretaria Nacional de Meio Ambiente e Qualidade Ambiental (MMA). A executiva destacou o papel histórico dos programas de controle de emissões PROCONVE e PROMOT que, segundo ela, são instrumentos do PRONAR – Programa de Qualidade do Ar e já estão em vigor há 39 e 23 anos, respectivamente.
Thaianne destacou os resultados desses dois programas que já contribuíram para a redução de 99% de monóxido de carbono, 98% de hidrocarbonetos e 96% de óxidos de nitrogênio, mesmo com o aumento da frota nacional. Na prática, um carro em 1986 poluí o equivalente a 136 veículos atuais. Ela apresentou as novas fases previstas até 2030, a integração das metas com compromissos climáticos do Acordo de Paris e a necessidade de avançar em inspeção veicular e renovação da frota para garantir ar mais limpo e ganhos diretos à saúde pública.
Na sequência, Fernanda Rezende, diretora executiva adjunta da CNT – Confederação Nacional de Transporte –, fez um paralelo histórico da transição do cavalo para o automóvel no início do século XX, destacando como fatores de mudança – novas tecnologias, fontes energéticas e pressão ambiental – voltam a ser determinantes no presente. Segundo ela, a agenda de descarbonização do transporte exige ação coordenada em três frentes principais.
A primeira é a transição energética, com a diversificação de fontes como biometano, hidrogênio renovável, eletromobilidade, diesel verde e combustíveis sustentáveis de aviação. Fernanda ressaltou que cada alternativa tem vantagens e limitações em autonomia, custo, emissões e infraestrutura de abastecimento, exigindo planejamento integrado para garantir viabilidade técnica e econômica.
O segundo pilar é a infraestrutura, que no Brasil ainda apresenta gargalos significativos: 64,85% das cargas são transportadas por rodovias, das quais apenas 12,4% são pavimentadas. Essa deficiência gera desperdício de 1,18 bilhão de litros de combustível e emissões adicionais de 3,13 milhões de toneladas de CO₂ por ano. Para ela, investir na recuperação e modernização da malha é fundamental para reduzir custos logísticos e emissões.
Heloisa Loureiro Escudeiro, do Centro de Estudos das Cidades do Laboratório Arq. Futuro do Insper, por sua vez, trouxe uma visão sistêmica para a mobilidade urbana sustentável, defendendo políticas que integrem matriz energética limpa, conectividade, integração modal e segurança viária, sempre mitigando custos ambientais e socioeconômicos. Esse painel teve a mediação da jornalista Cleide Silva.
Na parte da tarde, na sessão de palestras especiais, Fabio Ferreira, diretor de Produto da Bosch, apresentou as megatendências na mobilidade e seus impactos diretos na tecnologia automotiva. Segundo ele, eletrificação, direção automatizada e a experiência digital do usuário dentro dos veículos vão guiar o desenvolvimento dos próximos anos. Essas demandas impulsionam a adoção de arquiteturas centralizadas, veículos definidos por software e ciclos de atualizações contínuas, exigindo uma infraestrutura tecnológica mais integrada e flexível.
Ferreira destacou que essa transformação se apoia em pilares como comunicação móvel, computação em nuvem, novas tecnologias de software, inteligência artificial com mineração e engenharia de dados e semicondutores de alta performance. Esse ecossistema é essencial para entregar funções avançadas, conectividade total e integração entre veículo e ambiente externo. Ele também mostrou a evolução dos sistemas embarcados, que ampliaram exponencialmente seu valor no veículo, e projetou que, até 2030, o mercado global de eletrônica e software automotivos deve movimentar US$ 462 bilhões.
Já Roberto David Mendes da Silva, gerente geral de Marketing da Petrobras, expôs a estratégia de diversificação do portfólio da empresa para incluir combustíveis de baixo carbono, como o Diesel R com 5% de conteúdo renovável, a Gasolina Podium carbono neutro e o bunker marítimo renovável, além de asfaltos CAP Pro de menor impacto ambiental e do SAF – combustível sustentável de aviação.
Encerrando o primeiro dia, a mesa redonda “Desenhando o Futuro da Mobilidade“ reuniu um time de mulheres representando a Petrobras, IBP, Transpetro, Ford e GM para discutir os desafios e oportunidades relacionados ao tema. O debate destacou a necessidade de ampliar a eficiência logística e energética do Brasil, que consome quatro vezes mais combustível líquido por unidade de PIB do que economias desenvolvidas da OCDE.
As participantes reforçaram que investir em infraestrutura é essencial para reduzir custos, emissões e desigualdades, e que a descarbonização deve priorizar as soluções de menor custo por tonelada de CO₂ evitada. Houve consenso sobre o papel estratégico dos biocombustíveis, especialmente em nichos nos quais a eletrificação é menos competitiva, e sobre a importância de avaliar as emissões “do poço à roda”. Também foram discutidos os impactos das mudanças climáticas na logística, a necessidade de adaptação da indústria a diferentes modais e o uso de dados em tempo real para tomadas de decisão mais eficientes.
A mesa redonda constituída por Viviana Coelho, Ana Mandelli, Kaurrie Goes, Marinna Silva e Cátia Ferreira, respectivamente da Petrobras, IBP, Transpetro, Ford e GM, foi conduzida por Giovanna Riato, editora-chefe da Automotive Business.
Segundo dia
Abrindo a programação, Paula Aluani, head global de parcerias do Google/Waze, apresentou como as plataformas Google Maps e Waze apoiam cidades na gestão de mobilidade e sustentabilidade. Por meio de dados em tempo real e históricos, é possível monitorar trânsito, transporte público e infraestrutura, prever e mitigar impactos de eventos climáticos e otimizar o fluxo urbano. Entre as soluções destacadas, o Greenlight – que ajusta semáforos com inteligência artificial para reduzir congestionamentos e emissões já implementados em algumas cidades brasileiras – e o Environment Insight Explorer, que estima emissões de CO₂, potencial de energia solar e áreas verdes. Paula ressaltou que, ao integrar informações e priorizar a segurança viária, as plataformas oferecem suporte direto à tomada de decisão de gestores públicos.
Na sequência, Murilo Ortolan, diretor de Tendências Tecnológicas da AEA, fez uma leitura histórica da relação entre tecnologia automotiva e “liberdade” no Brasil – da industrialização e popularização dos veículos, à independência energética com o etanol, até a atual era da conectividade e autonomia. Apresentou quatro eixos estratégicos que serão detalhados em white papers da AEA: descarbonização, emissões de veículos leves, segurança veicular e inteligência artificial/conectividade. Mostrou que a eletrificação combinada ao etanol oferece uma rota competitiva para descarbonizar o transporte leve, enquanto veículos pesados demandam soluções plurais – biocombustíveis, gás natural, eletrificação em nichos urbanos e, no longo prazo, hidrogênio verde e combustíveis sintéticos.
Ainda nesse painel, o consultor Rodnei Bernardino trouxe uma perspectiva sobre como a mobilidade do futuro será moldada não apenas pelo produto em si, mas pela integração entre tecnologia, finanças e experiência do consumidor. Destacou quatro vetores da nova mobilidade – eletrificação, conectividade, autonomia e compartilhamento – e como eles se desdobram em mudanças silenciosas no comportamento do usuário, que cada vez mais valoriza o acesso em vez da posse.
Rodnei mostrou o crescimento dos veículos por assinatura, a expansão das soluções de mobilidade como serviço e a transformação das concessionárias em hubs de experiência e venda de serviços financeiros próprios, viabilizados por plataformas bank-as-a-service. Apontou ainda o uso de telemetria e inteligência artificial para personalizar preços de seguros e financiamentos conforme o perfil de uso do veículo, além de novas soluções para frotas corporativas, motoristas de aplicativos e economia sob demanda. E, ao final, Raquel Cardamone, CEO da Bright Cities, conduziu a sessão de debates.
Em outra palestra especial, Thiago Samarino, da ABGi, abordou o Programa Mover e outros incentivos fiscais como aliados estratégicos para atender às novas exigências ambientais e tecnológicas do setor automotivo. Explicou a evolução do Mover desde sua criação, detalhou seus quatro pilares – eficiência energética e ambiental, reciclabilidade veicular, rotulagem integrada e tecnologias assistivas à direção – e exemplificou como cada um abre oportunidades de investimento e inovação. Destacou o papel complementar da Lei de Informática, da Lei do Bem e dos mecanismos de fomento para financiar projetos de P&D, e alertou que, embora haja recursos disponíveis, faltam bons projetos estruturados para captar esses investimentos.
Para encerrar o evento, a mesa redonda “Das pistas para as ruas: a evolução da tecnologia da mobilidade”, reuniu Fernando Julianelli, vice-presidente de Branding e Inovação da HPE Automotores, empresa que representa no Brasil as marcas Mitsubishi e Suzuki; Janayna Bhering, da FUNDEP – Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Chico Serra, automobilista, Lucas Di Grassi, piloto, e Rogério Gonçalves, diretor de Combustíveis da AEA, com mediação de Milene Rios, repórter do Programa Autoesporte, da TV Globo.
Na pauta, a discussão de como o automobilismo acelera o desenvolvimento e a transferência de tecnologias para os veículos comerciais. Foram apresentados casos de ganhos em eficiência de motores, evolução de baterias e software de controle na Fórmula E, uso do rally como laboratório para componentes mais resistentes e de menor peso, e testes de combustíveis e lubrificantes em condições extremas.
O debate também abordou o papel do Brasil como polo de múltiplas rotas tecnológicas, explorando biocombustíveis, hidrogênio verde e eletrificação em aplicações específicas, além de ressaltar a importância de políticas públicas consistentes e cooperação entre indústria, academia e governo para transformar inovações de pista em soluções sustentáveis para as ruas.