Por Adalgisa Lopes*
Apesar de ter se comprometido com a meta da ONU de reduzir em até 50% as mortes no trânsito até 2030, o Brasil vem caminhando na contramão e assiste, ano após ano, ao aumento do número de sinistros e mortes nas ruas, avenidas e estradas brasileiras. A letalidade no trânsito passou da proporção de 1 morte a cada 19 sinistros, em 2007, para 1 morte a cada 12 sinistros, no ano passado.
Se analisarmos o ranking da Polícia Rodoviária Federal, veremos que as cinco principais causas de acidentes estão relacionadas com o comportamento do motorista: reação tardia ou ineficiente do condutor; ausência de reação; acessar a via sem observar a presença dos outros veículos; velocidade incompatível e deixar de manter distância do veículo da frente. Todos esses fatores refletem motoristas desatentos, imprudentes e apressados, sintomas da deterioração da saúde mental, que aumentou de forma exponencial desde a pandemia.
Quadros de estresse, irritação, ansiedade e depressão, por exemplo, afetam diretamente a capacidade de tomar decisões, manter a atenção e o controle emocional. Isso pode levar a comportamentos de risco, agressividade, imprudência e desobediência às regras, alguns dos principais ingredientes das tragédias ao volante.
Ao mesmo tempo, o excesso de tarefas e atribuições, a falta de tempo, o excesso de informações e os longos períodos que as pessoas passam no trânsito em deslocamentos diários contribuem para deixar os motoristas ainda mais impacientes e irritados. A irritação leva à imprudência e ao cometimento de infrações como o avanço de semáforo e excesso de velocidade, fatores diretamente relacionados à letalidade no trânsito. Outra consequência dessa deterioração da saúde mental é o aumento das brigas por motivos banais no trânsito, que estão se tornando cada vez mais recorrentes.
O estigma e o descaso com a saúde mental no Brasil são fatores que contribuem diretamente para o aumento gradativo das mortes no trânsito. Hoje, no entanto, os motoristas passam por avaliação psicológica no momento em que estão tirando a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). As mudanças na saúde mental não são avaliadas periodicamente. Isso precisa mudar.
A segurança viária no Brasil só será alcançada quando reconhecermos que a saúde mental dos motoristas é um pilar fundamental para a redução de acidentes e mortes no trânsito. Precisamos de políticas públicas que integrem a avaliação psicológica contínua e o cuidado com a saúde da população como um todo. Cuidar da saúde mental dos motoristas não é apenas uma questão de bem-estar individual, mas uma medida urgente e necessária para salvar vidas e construir um trânsito mais seguro para todos.
*Adalgisa Lopes, Psicóloga Especialista em Trânsito e Presidente da Associação de Clínicas de Trânsito do Estado de Minas Gerais (ACTRANS-MG)
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