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Justiça do Espírito Santo reconhece legalidade da Buser e defende o circuito aberto
Mobilidade
Publicado em 15/08/2022

Em decisão que confirma a legalidade do modelo de negócios da Buser, a 10ª Vara Cível de Vitória (ES) derrubou o bloqueio judicial de R$ 45,3 milhões da startup, que é a maior plataforma de intermediação de viagens rodoviárias do País. A sentença deu ganho de causa à Buser e às duas empresas de fretamento parceiras na ação movida pela Viação Águia Branca.
Trata-se de uma das mais importantes decisões jurídicas nesse embate entre as velhas empresas de ônibus, que há anos formam um oligopólio para barrar a concorrência e manter privilégios sem prestarem contrapartidas ao Estado, e as novas empresas de tecnologia que ofertam viagens até 60% mais baratas no modelo conhecido como fretamento colaborativo – no qual os viajantes dividem a conta final do frete.
A Águia Branca, derrotada nesta sentença, é uma das maiores empresas de ônibus do País e o maior grupo empresarial do Espírito Santo. É uma das principais opositoras da Buser nos tribunais. A decisão na Justiça capixaba se junta a outras proferidas pela Justiça em estados como São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina, todas favoráveis ao novo modelo.
Além de dar ganho de causa à Buser e às fretadoras, o juiz Marcelo Pimentel defendeu o livre mercado e criticou a norma do circuito fechado – regra anacrônica de 1998 que obriga as empresas fretadoras a transportarem o mesmo grupo de passageiros tanto na ida quanto na volta de uma viagem (saiba mais ao final desse texto). Essa regra do circuito fechado está sendo debatida no Congresso Nacional, dentro da Comissão de Viação e Transporte.

“Não é clandestina”, diz juiz
O juiz Marcelo Pimentel reconheceu que as fretadoras que efetivamente fazem o transporte, Aliança Turismo e Transportadora Turística Natal Ltda, como alegou a Águia Branca, já que as duas empresas contam com as autorizações e licenças necessárias para o transporte fretado de passageiros. Também ressaltou que a Buser garante a todos os usuários o seguro de acidente pessoal. “Resta, portanto, equivocada e prejudicada a insinuação da autora de que as demandadas realizam transporte irregular e clandestino.”
Na decisão, o magistrado também confirmou que a Buser é uma plataforma tecnológica que atua como uma intermediária para a realização dos serviços de fretamento, ligando passageiros às empresas de fretamento. “Além disso, não há venda de passagens, mas sim proporciona o rateio dos custos”, ressaltou.
Pimentel afirmou, ainda, que a prática da intermediação não pode ser confundida com a prestação do serviço em si, que fica a cargo das fretadoras. “Os mencionados serviços igualmente são praticados pelo Ifood e Uber Eats, que intermediam pessoas (usuários/consumidores) a estabelecimentos comerciais e restaurantes, não sendo estes o prestador de serviço, mas tão somente o intermediador”, comparou.
O magistrado também fez referência à Lei nº 10.233, que impõe condições para conceder a autorização e exploração da atividade de transporte coletivo rodoviário via fretamento e regular. Segundo ele, a norma em nada apresenta óbice aos serviços de intermediação prestados pela Buser.
Para Pimentel, as alegações e, sobretudo, a jurisprudência confirmam que os serviços de viagens prestados pelas fretadoras e pela Buser “não são regulares, e sim sob demanda”, diante da necessidade da formação de um grupo com número de passageiros suficiente para que elas se realizem. “Mesmo que houvesse a caracterização da frequência, essa não é especificidade do transporte regular de passageiros, uma vez que, trata-se de um raciocínio simples: se as demandadas realizam transporte por demanda, e as mesmas possuem diariamente em horários distintos certa quantidade de passageiros que desejam viajar para determinados destinos, elas não deveriam prestar tal serviço?”, questiona o juiz.
Na sequência, o próprio Pimentel responde: “Neste contexto, entendo que assumir que as autoras não podem fazer fretamento diário e ‘regular’ para um destino de alta demanda, seria o mesmo que corroborar com a tese de que as empresas demandadas e fretadoras de viagens interestaduais não podem ter um grande volume de clientes e usuários de seus serviços. (...) Este posicionamento é contraproducente, pois nega o objetivo de desenvolvimento econômico necessário a qualquer modalidade de negócio”, afirma o magistrado.
Quanto à acusação de emissão e venda de passagens, Pimentel reforça que a Buser pratica o rateio dos custos do fretamento, cujos preços variam de acordo com o número de passageiros para realizar a viagem. “A Buser trata de uma nova forma operacional de ligações de serviços de transporte rodoviário que possuem frequência, ou seja, viagens diárias, diante da grande demanda de usuários do serviço, mas não porque prestam serviço regular, funcionando com horários de viagens que estão sujeitos a procura dos passageiros por aqueles trechos para que ocorram.”

Circuito fechado extrapola a livre iniciativa
Na decisão, o magistrado também tratou da regra do circuito fechado (prevista na Resolução 4.777/15 da ANTT e no Decreto 2.521/98). Para Pimentel, essa norma é abusiva. “Tal regramento cria uma obrigação não só para a fretadora autorizada, mas igualmente uma imposição ao usuário (consumidor) do serviço, o que se mostra incompatível aos preceitos legais, ferindo a autonomia da vontade e a liberdade de locomoção deste, deixando ainda a prestação de serviços da empresa fretadora dependente”.
O juiz também reconheceu que a Buser não descumpre a regra do circuito fechado ao oferecer a possibilidade de o passageiro viajar apenas o trecho de ida ou somente de volta, pois isso está de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, que assegura o direito de liberdade de escolha. “Portanto, se a Buser e suas parceiras de serviços de fretamento condicionarem os usuários (passageiros) do seu serviço à obrigatoriedade de adquirir trecho de ida e volta para caracterizar ‘circuito fechado’ estaria esbarrando em outros preceitos legais, configurando inclusive prática abusiva e venda casada.”
Na sentença, Pimentel vai mais longe e afirma que a norma do circuito fechado claramente se contrapõe ao Decreto 10.157/19 e à Lei da Liberdade Econômica. Para o magistrado, a regra promove a reserva de mercado “criando privilégios exclusivos sem nenhum motivo” às empresas prestadoras do serviço de transporte regular de passageiros, além de impedir novos negócios e tecnologias, como a Buser. E acrescenta que a regra contraria a Política Federal de Estímulo ao Transporte Rodoviário de Passageiros, “que determina que os únicos requisitos para a prestação dos serviços de transporte devem ser os de segurança”.
“A decisão reforça a ideia de que a inovação é o futuro. Mais uma vez, a Justiça reconhece que o modelo de negócio da Buser é tendência e está dentro da legalidade”, ressalta a banca de advocacia do escritório De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados, que atua pela Buser em âmbito nacional. Para o advogado/escritório, o reconhecimento de que o uso da tecnologia para intermediar serviços de transportes é diferente da prestação do serviço em si significa muita coisa, é um grande avanço.
Para o escritório Gama Barreto, Maioli e Zumak Advogados Associados, que atuou pelo caso no estado do Espírito Santo, a decisão é uma vitória importante não só pelo mérito de tirar as amarras da Buser no estado, mas porque mostra o Judiciário decidindo, mais uma vez, em favor da inovação e da livre iniciativa. Isso abre um precedente para todo o ecossistema de inovação e tecnologia no país, servindo de referência para outros tribunais. “O circuito fechado é o principal empecilho para a atividade do fretamento colaborativo hoje. Com a jurisprudência favorável ao transporte por app e contrária a essa regra anacrônica, ganha a liberdade de mercado, ganha a inovação”, afirmou a banca de advocacia.

Foto: Divulgação Buser

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