Novo estudo destaca diferenças relevantes entre as estratégias de vendas das principais montadoras atuantes no Brasil em comparação com o que adotam em outros mercados globais, incluindo China, Europa, Estados Unidos, Japão, Índia e Coreia do Sul. O relatório lançado hoje pelo ICCT, alerta que, sem políticas ambiciosas e metas claras para a transição para veículos de zero emissão (ZEVs), o país corre o risco de ter um mercado automotivo dominado por tecnologias obsoletas.
Entre os principais resultados destaca-se que os compromissos com fabricação de veículos elétricos (EVs) pelas montadoras no Brasil não estão em linha com as metas assumidas nos outros mercados analisados, o que pode colocar em risco o atingimento da neutralidade de carbono até 2050.
Desenvolvido pelo ICCT Brasil (Conselho Internacional de Transporte Limpo), o estudo mostra que, em 2023, as seis maiores montadoras no País — Stellantis, Volkswagen, GM, Toyota, Renault e Nissan — tiveram presença mínima no mercado nacional de veículos elétricos a bateria (BEVs) e híbridos plug-in (PHEVs). Dominando este mercado estavam três fabricantes chineses: BYD, Great Wall e Gelly - também responsável pelas marcas Volvo Cars e Zeekr. No que diz respeito à atuação das 10 maiores montadoras do país — incluindo também Honda, Hyundai-Kia, Chery e Ford — nenhuma ultrapassou 5% de participação em vendas de EVs, tanto BEVs quanto PHEVs, desempenho significativamente inferior ao observado em outros mercados.
As montadoras líderes de mercado continuam priorizando híbridos flex em relação a modelos totalmente elétricos, além de seguir com foco em vendas de carros a combustão interna (VCIs). Contrastando com o cenário, está o fato de a matriz elétrica do Brasil ser altamente renovável, o que favorece o uso e popularização dos veículos elétricos a bateria — opção mais eficiente para redução de emissões. O estudo ainda estima que os BEVs no Brasil emitem menos CO2 do que em todos os outros mercados analisados, enquanto híbridos e híbridos plug-in flex resultam em emissões mais altas se comparado às outras regiões.
Investimentos através do MOVER ainda favorecem híbridos e veículos a combustão
Entre 2025 e 2030, espera-se que as principais montadoras invistam mais de R$ 130 bilhões no Brasil por meio do Programa Mobilidade Verde e Inovação (MOVER), iniciativa governamental que visa promover mobilidade sustentável por meio de incentivos fiscais e metas de redução de carbono. A maior parte desses recursos, no entanto, deve ser destinada ao desenvolvimento de híbridos e VCIs, em vez de veículos elétricos.
Na ausência de incentivos e de políticas que demandem a descarbonização, a maioria das montadoras não definiu metas claras para o Brasil, ao contrário dos compromissos mais ambiciosos anunciados na Europa, Estados Unidos e China. A Stellantis, por exemplo, prevê 100% de vendas veículos zero emissão na Europa até 2030, enquanto no Brasil aposta em híbridos flex. A Volkswagen, líder em vendas de veículos elétricos na Europa, também não estabeleceu metas específicas para o mercado brasileiro.
A maior parte das montadoras presentes no Brasil não definiu metas nacionais; outras estabeleceram metas globais que podem se aplicar ao país, mas menos ambiciosas (em alcance ou prazo) do que aquelas definidas para os outros mercados analisados.
O estudo também aponta uma diferença na oferta de categorias de veículos: nenhuma montadora oferece no Brasil uma linha de modelos elétricos comparável à disponível em outros mercados. Para todas as 17 montadoras analisadas, a cobertura de modelos BEV foi menor no Brasil, enquanto os PHEVs são ainda mais limitados e concentrados em SUVs.
Jornada do Brasil para cumprir suas metas climáticas
Apesar do aumento recente nas vendas de veículos elétricos, atingindo 7% de participação de mercado em agosto de 2025, o estudo mostra que o Brasil ainda não aproveita todo o potencial de sua matriz elétrica altamente renovável, e segue aquém de sua capacidade de assumir a liderança na transição para a frota de baixa emissão, não só na América Latina como globalmente.
Para mitigar esse cenário, o relatório recomenda fortalecer a segunda fase do programa MOVER (2027–2032), com metas de redução de emissões mais ambiciosas e que acelerem a transição para carros elétricos. Entre as medidas propostas estão incentivos inteligentes, como a implementação de um sistema de feebate que recompense a compra de veículos de zero emissão e penalize aqueles com maior pegada de carbono.