Com o tema “Programa Mover: impactos da manufatura 4R na descarbonização da mobilidade”, a 9ª edição do Seminário de Manufatura, organizado e promovido pela AEA – Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, debateu as diversas soluções que o setor produtivo brasileiro vem adotando ou planejando rumo à mobilidade sustentável.
O presidente da AEA, Marcus Vinicius Aguiar, abriu oficialmente o evento, realizado no auditório do SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, unidade da rua Santo André, em São Caetano do Sul, no ABC paulista, na quinta-feira, 26. Em seguida, Fernando Vilella (Stellantis) fez a introdução do seminário, que começou com o lançamento do 5º Desafio Steam IGM – AEA Transformando o amanhã e a entrega dos “Prêmio Destaque Novos Engenheiros”, feita por Carlos Sakuramoto (GM) e Anderson Borille (ITA), organizadores do evento.
A palestra de abertura ficou a cargo de Fabio Sena, representante da Strokmatic Automação Pneumática, que abordou a relevância da soldagem a ponto, discutindo a realidade atual e métodos de controle de qualidade, incluindo o uso de inteligência artificial para garantir a integridade estrutural dos veículos. Ele enfatizou que, em um dia, apenas 1% das 2 a 3 milhões de soldas produzidas em uma fábrica são verificadas, levantando a questão de como assegurar um processo robusto e confiável, e pelo controle dos pontos de solda é possível reduzir o consumo de energia elétrica entre 20% e 50%.
Na sequência, Roberto Medeiros, da CNI, destacou o papel da AEA em promover estruturas inovadoras e desafiadoras, destacando a importância da colaboração entre academia e indústria. Além disso, o executivo alertou para o que considera a principal lacuna para a inovação no país, que é a diversidade de mecanismo de inovação.
Medeiros mostrou como o SENAI vem trabalhando no desenvolvimento de competências para a Indústria Automotiva 4.0 e Mobilidade Elétrica, possibilitando soluções inovadoras com base em demandas atuais e futuras. Já são 258 alunos matriculados de 73 empresas em quatro turmas de MBI com uma taxa de formação média de 95,5%. Roberto ainda comentou como o SENAI, por meio de seus institutos de Inovação e Tecnologia, podem contribuir com o Programa MOVER por meio de consultorias, educação, P&D+I e integração com outros programas do governo.
“Com a IA, é possível garantir a qualidade com inspeção de 100% das soldas, reduzindo a quantidade de CO2 emitida, com rastreabilidade e histórico do processo, otimizando o uso de matéria prima sem comprometer a qualidade do produto”, concluiu ele.
Joachim Lorenzen, da Dürr Brasil, discutiu a transformação sustentável dos paint shops das fábricas automotivas nacionais, apresentando tecnologias que promovem uma produção mais eficiente em termos de energia e recursos. De acordo com ele, os paint shops das montadoras no Brasil têm entre 20 e 50 anos de idade e precisam de modernização para se tornarem mais sustentáveis e de acordo com padrões globais.
Para Lorenzen, paint shops precisam usar de forma mais eficiente materiais e energia, utilizando menos itens, como água, eletricidade e gás; menos materiais, como produtos químicos; gerando menos água residual e resíduos de forma geral. “Os paint shops do futuro são modulares, flexíveis e incluem a digitalização de todos os seus processos”, enfatizou.
A última palestra da manhã foi de Marco Colosio, da General Motors, que demonstrou um software que pode ajudar a minimizar a pegada de carbono, considerando todo o ciclo de vida dos produtos, desde a escolha de materiais até o descarte. Os produtos devem ser concebidos já com todo o cálculo da pegada de carbono.
De acordo com Colosio, cerca de 16% da pegada de carbono de um automóvel é referente às suas peças e materiais e que é preciso trabalhar para diminuir essa pegada e que os engenheiros, ao pensarem nos materiais que serão usados em um projeto, precisam cada vez mais ter em mente não só a função do material, mas seu impacto no meio ambiente. “Já é possível, por meio da tecnologia, escolher materiais levando em consideração seu mínimo impacto no meio ambiente, desde sua manufatura, transporte até o seu descarte ou reutilização”, afirmou.
A parte da tarde foi inaugurada com Luiz Brant, gerente de inovação da ABGI Brasil, consultoria focada na gestão estratégica dos recursos financeiros, processos e ferramentas para inovação e ESG. Em sua palestra “Recursos financeiros para inovação e ESG”, Brant destacou a importância do acesso a recursos financeiros, tanto públicos quanto privados, para viabilizar projetos inovadores e de sustentabilidade nas organizações. Ele enfatizou que a elaboração de projetos deve ser alinhada às estratégias da empresa, considerando o potencial de transformar a competitividade.
“O projeto deve ser formulado a partir de oportunidades para a organização ou da necessidade de superar entraves a suas atividades e não deve ter como objetivo único apenas a obtenção de recursos”, destaca.
Economia Circular
Em seguida, a Economia Circular recebeu destaque no seminário. Adriano Griecco, gerente da Renova Ecopeças, empresa do grupo Porto Seguro, compartilhou experiências sobre a venda de peças usadas e os desafios propostos pelo Programa MOVER nesta área, incluindo a eficiência da desmontagem e a necessidade de capilaridade para aumentar as vendas. Griecco também discutiu a preparação deste setor para trabalhar com um volume cada vez maior de veículos híbridos e elétricos, ressaltando a complexidade técnica para a desmontagem e os desafios comerciais na venda desse tipo de peças de alto valor agregado.
O tema seguiu com Arthur Rufino, da OCTA, marketplace circular que conecta frotas com Centros de Desmontagem Automotivo. Ele abordou o descomissionamento e a estruturação do segmento de desmanche automotivo no Brasil, destacando a importância da otimização na desmontagem, além da rastreabilidade e certificação de peças como diferenciais competitivos.
Rufino apresentou dados que mostram o potencial desse mercado, uma vez que o país tem cerca de 5 milhões de veículos inaptos ou inviáveis por ano e somente 10% desse total é reciclado. Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 12 milhões de veículos tornam-se inaptos anualmente e 80% deles são reciclados, enquanto no Japão 95% dos cerca de 3,2 milhões de automóveis inaptos anualmente são reciclados.
O executivo destacou que um dos principais desafios é o acesso a crédito pelos centros de desmontagem brasileiros para que consigam elevar seu patamar de uma média de apenas 7 veículos desmontados por mês. “Os centros de desmontagem pagam ainda o preço da informalidade e ilegalidade de tempos atrás, mas se o país quer discutir ‘do berço ao túmulo’ no setor automotivo, é fundamental que esses agentes sentem à mesa para a discussão”, concluiu.
O segundo bloco de palestras terminou com Thiago Gomes, da Firjan – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro –, que trouxe o resultado de um estudo realizado pela entidade sobre Economia Circular na cadeia da indústria do plástico.
A pesquisa mostrou que 100% dos respondentes conhecem Economia Circular e 98% deles aplicam a EC em seu dia a dia. No entanto, apesar de 61% deles informar que possuem um setor de Economia Circular, apenas 27% deles disseram que contam com capacitação interna para trabalhar o tema. Outro ponto destacado por Thiago é a necessidade de uma visão ampla sobre reciclagem no setor. “É preciso trabalhar a Economia Circular desde a concepção da peça, para gerar valor ao longo de toda a cadeia”, explica.
Pegada de carbono
A parte final do seminário foi dedicada ao conceito de pegada de carbono. Giordana Flôr, gerente corporativa de sustentabilidade da GM América do Sul, apresentou uma visão abrangente sobre a avaliação do ciclo de vida (ACV) dos produtos, discutindo as quatro fronteiras principais:
1 - Do berço ao túmulo: da extração da matéria prima até o descarte do produto;
2 - Do berço ao portão: da extração da matéria prima até o portão de entrada da fábrica;
3 - Do portão ao portão: somente considera uma etapa, normalmente dentro de uma única empresa;
4 - Do berço ao berço: da extração de matéria prima até o fim da vida do produto e sua revalorização (reuso/reciclagem).
Flôr enfatizou a complexidade do setor automotivo e a necessidade de um inventário de carbono abrangente, com o Programa MOVER se destacando como proponente de um modelo para avaliar a pegada de carbono dos veículos no Brasil até 2027. "Para isso, precisamos desenvolver um modelo que reflita as potencialidades do Brasil, como energia renovável e reciclagem de materiais", afirmou.
Eiti Iwamura, supervisor de manufatura da Denso do Brasil, trouxe um case sobre a determinação da pegada de carbono com fornecedores, abordando as dificuldades da cadeia de suprimentos em fornecer informações precisas. Iwamura destacou a importância de uma metodologia padronizada e a capacitação de fornecedores, além da necessidade de inovações no design e no processamento de componentes. "Para chegarmos a zero, todos precisam investir; a corrida já começou", alertou.
Por fim, João Queiroz, gerente sênior da Becomex, apresentou o projeto de inventário de carbono, focando em como conectar a cadeia de fornecedores para gerar negócios sustentáveis. Queiroz levantou a questão sobre a importância de considerar a pegada de carbono nos KPIs das empresas, ressaltando que, embora existam desafios, as soluções também estão disponíveis.
Imagem: Divulgação AEA