A abertura do SIMEA - Simpósio Internacional de Engenharia Automotiva 2022 - foi marcada pela defesa dos biocombustíveis brasileiros, tanto por parte dos executivos de montadoras e autopeças como também do governo federal. O tema central deste ano, “A contribuição da cadeia automobilística na descarbonização”, atraiu mais de 900 profissionais ao Expo Center Norte - Centro de Convenções, em São Paulo. Promovido pela AEA - Associação Brasileira de Engenharia Automotiva -, nos dias 18 e 19 de agosto, o evento contou com painéis, palestras, debates e 39 sessões técnicas, sobre conectividade, motores, combustíveis e materiais, entre vários outros temas, além de uma mostra de tecnologia com participação das principais empresas do setor.
O presidente da AEA, Besaliel Botelho, aproveitou a abertura do simpósio para comemorar a volta do formato presencial: “Foram três anos difíceis, por causa da pandemia, e estou muito feliz de estar aqui com todos vocês. Conseguimos manter a chama acesa nesse período e criamos uma capacitação tecnológica de nossos engenheiros, fundamental nesse momento disruptivo do setor automotivo. Parabéns a todos pela resiliência”.
Botelho destacou, ainda, a importância do veículo híbrido flex, com etanol, que ganha notoriedade não só local, mas também em outros países sem vocação elétrica. “O Brasil é um país privilegiado, com uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta”, enfatizou.
Nessa mesma linha, o presidente do Sindipeças, Cláudio Sahad, disse entender que novas tecnologias vão coexistir no mundo todo a partir de rotas definidas pelos recursos naturais predominantes em cada região. “Das nossas associadas, 2/3 são pequenas e médias empresas. Nosso papel é difundir informações para que elas adotem estratégias que garantam a sobrevivência e o fortalecimento dos seus negócios”.
Já o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, comentou sobre a importância de haver políticas públicas que garantam ao Brasil o protagonismo industrial. “Não podemos perder o time. O mundo não vai migrar direto para o veículo elétrico e nós temos tecnologias fantásticas”, comentou, também citando o etanol e demais biocombustíveis brasileiros. Na sua avaliação, o Brasil poderia tornar-se um fabricante de baterias ao invés de importar lítio, por exemplo.
Assim como o presidente do Sindipeças, também o coordenador do SIMEA, Renato Faria, avaliou em seu pronunciamento que o caminho rumo à descarbonização será ajustado de acordo com as peculiaridades de cada região: “O Brasil é um case de sucesso no que diz respetivo a combustíveis alternativos”.
A presidente de honra do SIMEA, Margarete Gandini, coordenadora geral de Fiscalização de Regimes Automotivos do Ministério da Economia, fez questão de ressaltar a importância da engenharia automotiva brasileira em prol de importantes avanços no setor. Citou as evoluções em eficiência energética e a aprovação do programa de renovação de frota, o Renovar, no Congresso Nacional. Mas admitiu que ainda há muito a fazer, como por exemplo a inspeção veicular. “Admito, inclusive, que temos muito mais pontos de interrogação do que respostas”, disse Margarete. “Mas é importante lembrar que o governo não faz carro. A política industrial tem de ser definida com os atores. A decisão vai ser de cada um de nós, não só do governo”.
O coordenador geral de ambientes inovadores e startups do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI), José Antônio Silvério, encerrou a sessão de abertura falando dos investimentos do governo, com destaque à destinação de R$ 2,5 bilhões, a partir de 2020, ao setor acadêmico brasileiro.
Primeiro dia
Na sequência da sessão de abertura, um painel com três palestras, ainda na parte da manhã, centralizou os debates nas ações locais e mundiais em prol da descarbonização. Thomas Fabian, diretor da ACEA, falou sobre “As tendências de redução de CO2 na pegada de carbono”, fornecendo dados sobre o mercado europeu, com foco principalmente nos veículos pesados.
Segundo ele, desde 2000 houve uma redução de 20% na emissão de CO2 no transporte rodoviário do continente europeu. “A eletricidade limpa, hidrogênio e combustíveis baixo ou zero carbono são cruciais para a transição estabelecida na região, que prevê que até 2040 todos os novos veículos comerciais terão de ser livres de fósseis”, lembrou Fabian.
Marta Giannichi, representante do Ministério do Meio Ambiente, também participou deste primeiro painel, abordando o tema “Visão consolidada da política de redução de carbono no Brasil”. Ela lembrou que para envolver todos nesse processo, o governo publicou decreto em maio convidando os diferentes segmentos econômicos a apresentarem suas curvas de descarbonização.
Em sua avaliação, é necessário promover soluções que sejam lucrativas para todos, ou seja, para as empresas, para o País e para o meio ambiente. “É um momento de transição, durante o qual é fundamental que o País não abra mão do que tem, como é o caso do etanol. O carro híbrido flex pode ser o caminho para o Brasil”, enfatizou Marta.
A outra palestra, sobre “O mercado brasileiro na visão dos fabricantes de equipamento primário”, ficou a cargo de Henry Joseph Junior, diretor técnico da Anfavea. Ele apresentou estudo da entidade concluído em 2021 que apresenta três cenários: inercial, convergência global e protagonismo dos biocombustíveis.
No contexto do poço-à-roda, o melhor, segundo ele, é o terceiro, que assume como premissa o aumento de 15 pontos porcentuais dos biocombustíveis no mix de combustível no País. Ao final das exposições do Painel 1, houve debate mediado por Giovanna Riato, editora do Portal Automotive Business.
Etanol x petróleo
Na tarde do primeiro dia do simpósio, houve três palestras sequenciais, seguidas de perguntas e respostas: “A contribuição do etanol para o futuro da mobilidade”, de autoria de Luciano Rodrigues, diretor da Unica; “Do fóssil ao renovável – sinergias para uma transição sustentável”, de Marcelo Gauto, da Petrobras, e “O impacto da redução de CO2 na visão dos sistemistas”, com Gábor Deák, do Sindipeças.
O diretor da Unica informou que no segmento de veículos leves o etanol tem participação de 44% no Brasil, índice que no resto do mundo limita-se a 6%. Ele garantiu que o setor sucroalcooleiro tem capacidade de aumentar em 20% a produção do etanol usando apenas a área de cultivo atual, sem a criação de novas empresas. “A produção de etanol ocupa apenas 6,9% da área agriculturável no Brasil, sendo 5,7% a partir do açúcar e 1,2% do milho”, revelou.
Na sequência foi a vez de Gauto, da Petrobras, falar sobre a estratégia da empresa de investir em um petróleo cada vez mais competitivo. Citou, entre outros exemplos, o Diesel R-5, com 5% de conteúdo renovável: “Já concluímos todas as fase de laboratório e agora estamos fazendo teste de campo em Curitiba. Logo vamos começar os testes comerciais desse novo combustível em outras localidades”.
Já o representante do Sindipeças, Gábor Deák, aproveitou o SIMEA para mostrar pesquisa sobre ações de descarbonização em curso na cadeia de fornecedores. “Diante da pergunta sobre qual o período que a empresa trabalha para atingir a neutralidade, 50% dos participantes da pesquisa responderam não ter previsão nesse sentido”, lamentou o executivo.
Em contrapartida, informou que 6,52% já atingiram a neutralidade e 2,17% têm isso por meta até 2025. O período de 2016 a 2030 está na meta de 10,87%, mesmo índice que tem por prazo a faixa de 2031 a 2035. Também é de 10,87% o porcentual das empresas que querem atingir a neutralidade entre 2056 e 2050.
Segundo dia
“O Brasil e as fontes de energia alternativas” foi o tema do Painel II, realizado na sexta-feira, 19 de agosto. Antonio Megale, do movimento MSBC – Mobilidade Sustentável de Baixo Carbono e também conselheiro da AEA, falou sobre “Os potenciais para a mobilidade sustentável no Brasil”, lembrando que no Brasil o transporte rodoviário responde por apenas 13% da emissão total de CO2.
“Temos uma relevante diversidade de rotas tecnológicas e programas de peso no âmbito da descarbonização, como o Proconve, Rota 2030 e RenovaBio, todos sob o guarda-chuva do Combustível do Futuro”, lembrou Megale. Ele informou, ainda, que o MSBC promove reuniões semanais com as principais entidades do setor, incluindo Afavea, Unica, Sindipeças, AEA e SAE, e representantes de universidades brasileiras, para debater o tema da descarbonização.
Em seguida, André Ferri, da Ambev, abordou o tema “Fontes de energia alternativas aplicadas no transporte”. A partir de uma parceria com a VWCO, Volkswagen Caminhões e Ônibus, a empresa investiu em uma frota de elétricos, contando hoje com 253 veículos do gênero, que já percorreram mais de 500 mil quilômetros: “É possível aliar ganhos em sustentabilidade com redução de custos. Com a frota de caminhões elétricos tivemos uma redução de 20% em custo operacional”.
A terceira palestra do Painel II, que teve por tema “Célula de combustível etanol no carregamento de veículos elétricos”, ficou a cargo de Clayton Zabeu, pesquisador do Instituto Mauá de Tecnologia. “Não podemos ficar alijados do mundo”, comentou. “O importante é casarmos soluções locais com tendências mundiais”. Entre os trabalhos em curso do IMT, citou o sistema eletroeletrônico de acoplamento veículo-grid-fonte, já finalizado, e o sistema gerador baseado em SOFC (célula de combustível de óxido sólido) até 2,5kw, já validado. Além disso, o instituto realiza estudos adicionais com versões diferentes de reformador catalítico em 5kW.
Ainda na parte da manhã do segundo dia, o SIMEA trouxe a palestra “Contribuição das PPPs na descarbonização”, ministrada por Ana Luisa Lage, da Fundep. Ela apresentou a contribuição do programa Rota 2030 no contexto da descarbonização e os projetos em fase de execução da linha V – Biocombustíveis, Segurança Veicular e Propulsão Alternativa à Combustão. Aproveitou para convidar os presentes a participarem do Workshop InLab, no dia 1º de setembro, das 16h às 18h, ocasião em que será feito um mapeamento das demandas tecnológicas da linha V.
A última palestra do segundo dia do simpósio da AEA – “Como medir e alavancar as inovações sustentáveis no setor automotivo a partir dos recursos financeiros disponíveis” – foi proferida por Marina Loures, da ABGI Brasil.
Mesa redonda dos elétricos
O SIMEA 2022 foi encerrado com uma mesa redonda com o tema “O futuro e desafios do portfólio de veículos elétricos no Brasil”, mediada pelo editor-chefe do site Use Elétrico, Marcos Rozen, com participações do piloto de testes Cesar Urnhani, do Programa Auto Esporte; Marcus Vinicius Aguiar, da Renault e vice-presidente da AEA; Luiz Gustavo Moraes, da General Motors; Luiz Carlos Moraes, da Mercedes-Benz; Argel Franceschini, da VWCO, e Alexandre Parker, da Volvo.
O representante da GM revelou que pesquisa feita com clientes do Bolt constatou que 80% fazem recarga em casa e 90% consideram comprar um elétrico de novo. ´”E um produto fantástico, silencioso e com uma aceleração incrível”, lembrou o executivo. Aguiar, da Renault, comentou que apesar de ainda representarem um nicho, os elétricos têm hoje demanda crescente.
Além do Kangoo elétrico, utilizado em frotas, a marca francesa comercializa também o Zoe e está trazendo para o Brasil o Kwid elétrico: “Serão 350 unidades, metade para pessoas físicas e metade para clientes corporativos. Os elétricos em geral têm sido bastante utilizados no e-delivery”.
Moraes, da Mercedes-Benz, lembrou que a disseminação dos elétricos depende de infraestrutura, estimando-se ser necessário aporte de R$ 14 bilhões em pontos de recarga e R$ 5 bilhões em geração de energia. “Nós não vislumbramos caminhões elétricos para longa distância, mas para entregas urbanas, com abastecimento a noite, são veículos apropriados”.
Franceschini, da VWCO, citou os três pilares envolvidos na comercialização dos caminhões elétricos: produto, infraestrutura e pós-venda. A empresa produz no Brasil o e-Delivery, que faz parte de frotas como a da Ambev, por exemplo: “O projeto do e-Delivery, desenvolvido 100% no Brasil, começou em 2017. Tivemos de formar mão de obra e hoje temos expertise para fabricar elétricos aqui”.
Parker, da Volvo, comentou que não vai ter uma virada de chave do veículo à combustão para o elétrico: “Esse tema requer uma decisão colegiada, envolvendo sociedade, poder público e iniciativa privada”. Aguiar, da Renault, lembrou que já há no Brasil empresas de reciclagem de baterias e também interessadas em produzi-las localmente.
Ficou a cargo de Cesar Urnhani falar da experiência de dirigir e testar carros elétricos no Brasil. Ele destacou vários problemas, incluindo a dificuldade de abastecimento em alguns locais. Deixou claro não haver infraestrutura hoje para o brasileiro ter um carro elétrico e aproveitou para defender a disseminação do uso do etanol para contribuir com a descarbonização no País.
O piloto de testes perguntou à plateia quem tinha carro flex, o que levou a maioria a levantar a mão. No questionamento seguinte, sobre o tipo de combustível utilizado, a maioria admitiu abastecer o veículo com gasolina. Ponderou, com isso, que não basta ter o veículo flex se não existe uma conscientização sobre as vantagens adicionais do combustível alternativo.
No embalo do produtivo debate gerado na mesa redonda dos elétricos, o presidente da AEA, Besaliel Botelho, encerrou o SIMEA 2022 lembrando que, por causa do etanol, muitos países têm inveja do Brasil. “Temos um futuro rico em desafios e uma engenharia brasileira preparada para enfrentá-los”.
Foto: Divulgação AEA