Mais do que um carro, o 2CV foi um modo de vida. Ícone cultural europeu desde seu lançamento até hoje, o compacto da Citroën é – e sempre foi – cultuado não apenas por colecionadores, artistas e intelectuais, mas principalmente por toda uma geração que entendeu pela primeira vez o que era poder ter um meio de transporte individual, acessível, versátil e confiável. Um Citroën para todos.
Representação máxima do que é ser um automóvel “cool”, o 2CV – ou “Deuche”, para os íntimos – teve um início de história pragmático, pois seu conceito era simples e urgente à época. Para Pierre Michelin, que substituíra André Citroën no comando da marca, o futuro modelo deveria permitir que as massas substituíssem o cavalo e a carruagem por um veículo robusto, útil e acessível, capaz de transportar quatro pessoas e 50 kg de bens agrícolas – sobretudo ovos, que não poderiam se quebrar durante a viagem – a uma velocidade de 50 km/h, inclusive sobre estradas lamacentas e não pavimentadas.
Os primeiros protótipos criados por André Lefebvre (o gênio por trás do Traction Avant e do DS) deveriam ser revelados em outubro de 1939 – três anos depois de iniciado o projeto do TPV, ou Toute Petite Voiture –, mas o 2CV foi atrapalhado pela eclosão da Segunda Guerra Mundial. Dos cerca de 200 já montados, quase todos foram destruídos em bombardeios. Apenas quatro restaram, mantidos em segredo na França ocupada.
Com fábricas destruídas, a Citroën manteve o desenvolvimento do 2CV às escondidas e sua estreia ocorreu em 7 de outubro de 1948, em palco que não poderia ser outro, o Salão de Paris, centro de uma Europa que estava prestes a ser reconstruída.
Sucesso instantâneo, tinha fila de espera após a estreia. Logo depois, era preciso esperar até cinco anos para estacionar um 2CV na garagem. Criou-se então uma das primeiras situações em que o usado custava mais do que o novo, pois ninguém queria esperar. Ao longo do tempo, outros países também produziram o modelo, como Reino Unido, Uruguai, Portugal, Espanha e até o Chile. Sua assinatura na história do automóvel já ganhava os primeiros contornos.
À frente do motorista, um motor boxer de dois cilindros refrigerado a ar com 375 cm³ de cilindrada e 9 cv de potência, acoplado a um câmbio manual de quatro marchas. Achou pouco? O fato é que, extremamente leve e com uma estabilidade muito acima da média, o 2CV era um carro divertidíssimo de ser pilotado, isso mesmo, pilotado. Tanto que seus sensíveis acréscimos de potência viriam com força à partir dos anos 70, quando o 2CV começou a sair com um bloco de 602cm³ e 33 cv.
Prático e versátil, trazia suspensão independente nas quatros rodas com longo curso que, na prática, era um aliado aos passeios suaves, enquanto a boa altura do solo não comprometia seu desempenho em terrenos irregulares. Não raro ganhava corridas frente a concorrentes bem mais modernos e potentes, graças a este incrível resultado de suas suspensões.
Além do 2CV, outros modelos nasceram de sua base mecânica. Um deles foi o simpático Dyane. Quase idêntico, incorporava uma estética mais tradicional e um prático design de porta traseira quando comparado ao 2CV. Sua popularidade foi tal que se somaram quase 1,5 milhão de Dyanes entre 1967 e 1983.
Outro destaque é o Sahara. Em vez de uma configuração tradicional envolvendo diferenciais e embreagens, a Citroën simplesmente adicionou um motor montado na traseira para impulsionar as rodas traseiras e criar um 2CV 4x4. Genial, tinha apenas um acelerador, uma embreagem e um câmbio para operar ambos motores. Com pouco menos de 700 exemplares construídos, é item cobiçado por colecionadores atualmente. Isso sem falar no Ami (1961-1978) e no jipinho Méhari (1968-1988), além do Fourgonette, de 1951.
Em 27 de julho de 1990, um 2CV em dois tons de cinza, apelidado de “The Duck”, sai de linha na planta portuguesa de Magualde, encerrando a carreia do modelo 3.868.634 unidades depois. Se despedia não apenas como um veículo utilitário, mas como uma lenda.
Trinta anos após sua aposentadoria, é o Citroën mais produzido no mundo até hoje.
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